quinta-feira, 15 de abril de 2010

A Espiga Vaidosa

A FONTE E A REFLEXÃO

UMA ESPIGA VAIDOSA

Sobre o mar verde do trigal, destacava-se a promessa solitária de uma espiga. (…)
Em certa manhã de Maio, o sol beijando-a na fronte, prometeu-lhe:
- “Tu serás a espiga dos grandes destinos!”
Desde aquele instante a espiga cresceu, afagando a sua altíssima vocação. Por sobre a ondulação verde do trigal soprou demoradamente o vento abrasador de Julho. Baforadas de fogo doiraram as messes.
E noutra manhã apareceram uns homens armados de brilhantes foices recurvas. Na aldeia tinha soado a hora da ceifa.
A espiga, ao ver como as suas outras irmãs se dobravam ao golpe da foice, exclamou, jactanciosa:
- “A mim não me cortarão. Eu sou a espiga dos grandes destinos.”
Momentos após sentia na sua carne a mordedura do aço. E caiu de bruços sobre o sol ardente

Lopez Arroniz
In, Momentos

O autor coloca-nos diante de uma espiga, que pela descrição, sobrepunha o seu porte altivo bem acima das outras, o que lhe merecera um galanteio enamorado do sol que a fazia crescer, mas numa vaidade tal, que ela muito ciosa do que ouvira passou a julgar-se superior às outras companheiras do trigal, a ponto de não aceitar de modo nenhum a hora da ceifa.
Assim não aconteceu.
A reflexão que esta espiga vaidosa sugere na linha do que nos diz Lopez Arroniz, que conduz o leitor por reflexões teologais que não cabem neste apontamento, embora nos tenham moldado o reflexão, é que num certo dia, após o mangual ter desfeito a espiga sobre as lajes da eira e a mó a ter feito em farinha, sentiu uma grande alegria ao sentir-se transformada em pão.
A vaidade transformara-se em humildade e cumpria, afinal, a missão para que fora criada no trigal do lavrador. Quantos de nós, fomos ou ainda somos, como aquela espiga vaidosa, crescendo em bicos de pés, cheios de uma importância falsa?
A este propósito merece ler ou reler o Pricipezinho, de Saint-Exupéry, quando ele nos fala do quarto planeta, propriedade de um homem de negócios, que a si mesmo, para garantir, supostamente, a sua importância passava os dias ocupado em coisas menores, como contar: três e dois cinco. Cinco e sete doze… até concluir por quinhentos e um milhões, seicentos e vinte e dois mil, setecentos e trinta e um.
Interrogado pelo Principezinho sobre o que representava aquele número imenso, respondeu que era uma soma de estrelas.
- E o que fazes com quinhentos milhões de estrelas? - perguntou-lhe, este.
- O que faço? – Nada. Possuo-as.
O Principezinho após uma delonga em que ouviu outros argumentos do homem importante, disse-lhe:
- Quanto a mim, continuou ele, possuo uma flor que rego todos os dias. (…)
E rematou, afirmando, que era útil à sua flor. Quanto a ele não era útil às estrelas.
Aquele homem tinha de si mesmo uma importância falsa
A espiga vaidosa, correu o risco de se igual àquele homem de negócios. Era rica de muitos e fartos grãos que quis esconder avaramente, por cima das outras: - A mim não me cortarão. Eu sou a espiga dos grandes destinos.
E afinal, não era.
O seu destino era outro e muito mais alto.
Por fim, devemos concluir que há imensos homens de negócios por aí, que gastam os seus dias contando e recontando estrelas, sem tempo para pensar se o que fazem é útil a alguém, deixando-se enredar no dia a dia e tomando como essenciais, gestos inúteis que consomem tempo e paciência, num turbilhão de somas, às vezes de resultados nulos de que ninguém se serve, a começar por eles mesmos.
Como isto não conduz o homem a qualquer parcela de felicidade própria nem colectiva, é preciso rever a importância que damos a nós mesmos, e abaixada a vaidade de sermos espigas de grandes destinos, tenhamos a humildade de sermos fraternos, fazendo da espiga humana que somos pão para os outros.
Teodoro A. Mendes .

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